sábado, 26 de junho de 2010
P177: MAIS UMA SOBRE A PISTA - RUI FELÍCIO
DULOMBI CCAÇ 2405
OS PÉS DE CHUMBO DO EXÉRCITO A CONSTRUIR AERODROMOS (Ou, quem te manda a ti sapateiro tocar rabecão…)
Depois de mais de dois terços da comissão em que a CCAÇ 2405 se encontrou dispersa, sempre com pelo menos 3 Grupos de Combate destacados em tabancas circundantes a uma distância razoável de Galomaro onde estava a sede da Companhia, o pessoal foi finalmente reagrupado na tabanca de Dulombi.
Depois de ter construido um quartel em Galomaro e criado as condições de instalação, foi mandada para Dulombi onde nada existia, onde nunca tinha estado tropa estacionada…
E a poucos meses do fim da comissão foi necessário recomeçar tudo de novo.
Edificou-se o bunker do Capitão, assim chamado por ser uma autêntica fortaleza de betão armado, de paredes e lajes duplas, à prova de qualquer tipo de projectil por mais potente que fosse.
Para o restante pessoal escavaram-se abrigos enterrados, cobertos de palmeiras e terra, e rasgaram-se variados percursos desenfiados, vulgo, valas de circulação entre abrigos.
Rodeou-se a tabanca de arame farpado duplo, protegido por uma densa rede de minas e armadilhas que o Alf.Mil Raposo espalhou como só ele sabia…
Montou-se debaixo de um enorme mangueiro existente no centro da tabanca, a messe de oficiais e sargentos e ao lado o armazém de viveres…
Sem grande protecção, diga-se…
Faltava, porém, uma obra importante!
Uma pista de aviação que possibilitasse a aterragem dos Dornier, que trariam correio e viveres frescos com assiduidade semanal.
Para além de que a vinda de meios aéreos de reabastecimento, diminuiria em muito o número de colunas de reabastecimento do Dulombi até Bafatá, com o cansaço e perigos inerentes.
Obtidas as autorizações necessárias à sua construção, iniciou-se o planeamento e execução.
Por determinação do Capitão, fui eu o escolhido para dirigir a construção.
Como se eu tivesse algum conhecimento de aviação ou de construção! Mas a tropa manda desenrascar…
Designei como meu adjunto o furriel Veiga (de Transmissões), que, como eu, não percebia nada daquilo….
Entusiasmado, sentei-me à mesa com a carta geográfica da zona e, em consonância com o Capitão, traçámos no mapa as linhas delimitadores da futura pista, que ficou definida como ficando paralela ao topo norte do quartel, no sentido Leste-Oeste.
Tinha a grande vantagem de a meio da pista existir uma lomba natural de terreno que, segundo os especialistas da Força Aérea que contactámos, era óptima para amortecer a velocidade do avião durante a aterragem e auxiliar a sua subida durante a descolagem.
O Veiga começou de imediato a dirigir o arranque de árvores e desmatagem do terreno escolhido, alargando essa limpeza de árvores nos topos da pista para facilitar a aproximação das aeronaves.
Uma equipa foi designada para recolher, perto de uma fonte existente ali perto, o que pudesse de cascalho e pedra para compactação da pista.
Só quem conhece a Guiné imagina a dificuldade de cumprir esta tarefa…
Costumávamos dizer que a guerra acabaria, se os combates fossem obrigatoriamente à pedrada… Pois cedo se acabariam as munições, tal a escassez de pedras naquela terra.
Quando o terreno já se encontrava limpo e mais ou menos compactado com a passagem constante de camiões e máquinas por cima dele, quis ser eu pessoalmente a dirigir a marcação das bermas da pista…
No fundo, ia proceder à definição própriamente dita do seu desenho definitivo.
Já tinha calculado e recalculado na carta geográfica, os azimutes que serviriam de guia á implantação no terreno das linhas delimitadoras da pista.
Muito compenetrado do meu papel (sinto me meio ridículo hoje ao recordar a minha cagança de então, convencido que era o maior….), mandei uns soldados fixarem no terreno duas estacas e coloquei-me no ponto de cota de origem que já antes tinha localizado no terreno.
Espreitei pela ranhura da pequena bussola militar, onde marquei o azimute préviamente calculado na carta, e mandei afastar para a esquerda e para a direita as estacas espetadas no chão mais à frente.
Até que, com ar de mais inteligente que os outros, rematei:
- Pronto! As duas primeiras estacas já estão alinhadas…. Agora coloquem mais duas a seguir àquelas e eu e esta bussola, definirei a sua localização alinhada e exacta….E assim sucessivamente até ao fim da pista!
Notei que um dos soldados que me ajudavam nesta tarefa, olhava para mim com uma expressão de incredulidade.
Era o Rio, soldado do Grupo de Combate do Alf.Mil.Raposo, que na vida civil era pedreiro e que por infelicidade dele não tinha concluido sequer a 4ª classe….
Perguntei-lhe:
- Diz lá Oh Rio… Parece que queres dizer alguma coisa, ou não?
Disse-me:
- O meu alferes desculpe, mas acho que estamos com um trabalho do caraças, quando era muito mais fácil esticar um cordel entre a primeira estaca e outra no fim da pista e marcar no chão o risco que seria a berma.
E continuou:
- O meu alferes só tem que dizer onde quer que a pista comece e onde quer que ela acabe… Depois estica-se o cordel…
Sorri condescendente e retorqui:
- Oh Rio, és um gajo porreiro, mas não te ofendas. Estas coisas de azimutes e coisas assim, tu não percebes nada disso. E isso de esticar o cordel pode servir para trabalhos simples, mas não te esqueças que isto é uma pista de aviação!
Continuei pois com o trabalho como eu achava que devia ser feito.
O Rio, disciplinado como era, não voltou a fazer mais comentários.
E chegou o grande dia!
Quando eu dei por concluida a “obra”, o Capitão pediu a Bissau que mandasse um avião inspeccionar a pista e aprová-la para futuros voos regulares.
No dia seguinte, com alguma ansiedade, vimos um Dornier sobrevoar o Dulombi, e depois de duas ou três voltas, disse que ia aterrar, pedindo que o responsável pela construção daquela obra prima se aproximasse do avião para com ele levantar voo de novo…
Logo que aterrou, aproximei-me do Dornier que, ainda com o motor a trabalhar, me aguardava.
Abri a porta e sentei-me ao lado do piloto (era o Sargento Honório, de origem caboverdeana e tido como um dos melhores da Força Aérea da Guiné).
Estendeu-me a mão, e perguntou-me de chofre, com ar de gozo:
- O meu alferes é que é o autor deste “aeroporto”?
Respondi-lhe que sim, ainda orgulhoso e convencido de ter feito um excelente trabalho.
Continuou, rindo:
- Já lhe vou mostrar isto visto de cima. Mas já o vou avisando que bem pode limpar as mãos à parede….
Não foi preciso dizer-me mais nada nem subir muito alto…
À medida que o avião ia subindo, reparei no desenho da pista perfeitamente visivel lá de cima.
O traçado ia a direito até ao sitio onde existia a tal lomba de que falei ao princípio.
Depois disso, desviava-se consideravelmente do traçado inicial, fazendo uma declinação de alguns 30 graus para a direita.
Dito de outra forma, aquilo que deveria ser uma linha recta, era de facto um L mal desenhado…
Fiquei descoroçoado….e perguntei-lhe:
- E agora… Temos que refazer tudo e corrigir o erro, não é?
Ele disse:
- Nada disso, a Força Aérea aterra em qualquer sitio! Não se preocupe….
Vai ver agora na aterragem, o que eu vou fazer….O avião percorre metade da pista e a meio só tenho que lhe dar um cheirinho para a direita…
Desconheço se a pista ainda existe….
Mas a verdade é que mesmo torta ela foi de grande utilidade, e os aviões aterravam lá uma vez por semana…
E aprendi uma lição para o resto da vida:
A mais simples opinião de um analfabeto nunca deve ser desprezada…
Ela contém sempre algo de experimental que o conhecimento da escola nos não dá…
E a experimentação pode conter formas expeditas de resolver os problemas, muitas vezes mais inteligentes que as elaboradas formas científicas estudadas nos gabinetes.
Rui Felicio
Ex- Alf.Mil.Inf.
CCAÇ 2405
segunda-feira, 21 de junho de 2010
P176: PISTA DE DULOMBI
Com a devida autorização do seu autor, Coronel Miguel Pessoa, passo a transcrever Post (http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2010/06/guine-6374-p6620-fap-49-pista-da-epoca.html) colocado pelo mesmo no Blog do Luís Graça. A colocação deste Post no nosso Blog faz todo o sentido já que o episódio relatado tem como fundo o nosso Dulombi e passou-se, precisamente, durante a nossa estadia por terras de Cossé.
Como poderão constatar através da foto que anexo
o nosso heliporto encontrava-se a meio da pista de aviação. Recordo termos recebido o relatório dimanado não sei por que entidade, mas lembro-me como se fosse hoje o Coronel Carlos Gomes ter-me referido que seria praticamente impossível pôr a nossa pista apta a receber DO's que nos trouxessem os célebres e tão desejados aerogramas bem como os frescos constituídos por algumas hortaliças e ovos, já que nos exigiam que a pista fosse reconstruída sobre uma caixa de gravilha com x centimetros de altura, o que se nos afigurava uma exigência de engenharia quase impossível de satisfazer atendendo aos meios auxiliares de que dispúnhamos associado ao esforço de construção do aldeamento que nos absorvia todos os pedreiros existentes na Companhia. Perante a minha tristeza pela inoperacionalidade da nossa pista recordo o nosso Comandante ter-me reconfortado desta maneira: "deixe lá, Barata, assim não vêm cá os Coroneis só para nos chatear".
Segue o texto do Coronel Miguel Pessoa:
"Lembro-me que nas Operações do Grupo Operacional 1201, na BA12, havia um arquivador muito prático onde estavam registados dados de todas as pistas existentes no território e que, para além das características específicas de cada uma (comprimento, largura, orientação, condições de utilização, limitações, etc.), incluía fotografias de cada pista, algumas delas tiradas à vertical das mesmas.
Estes dados eram de grande importância para o aviador, principalmente no início da comissão, quando ainda não tinha grande conhecimento do terreno.
O número elevado de pistas existentes (cerca de sessenta), a falta de visibilidade horizontal durante uma época do ano e o facto de as pistas por vezes se sucederem num espaço de terreno relativamente curto podiam induzir em erro os menos experientes.
Ninguém gosta de aterrar num determinado sítio e descobrir que o que queria é mais ao lado, principalmente quando a pista está afastada do aquartelamento e afinal não há qualquer segurança montada no local...
Por isso era habitual passarmos pelas Operações para visualizar os sítios onde íamos pela primeira vez. Daí ser natural já termos por vezes um conhecimento virtual de determinada pista mesmo antes de lá ter ido - uma espécie de Flight Simulator da época...
Uma vez recebi uma incumbência curiosa; tratava-se de ir abrir ao tráfego aéreo uma pista (Dulombi, se não me falha a memória), isto é, comprovar que aquela pista estava em condições de poder ser utilizada pelos nossos DO-27.
Fiquei curioso com esta missão, mas uma visualização das fotos da pista rapidamente me elucidou.
Na tal fotografia feita à vertical da pista pude verificar que, ao contrário do que sucedia nos outros aeródromos, em que a placa de helicópteros surgia normalmente ao lado da pista, a uma distância de segurança (1), aqui essa placa surgia cravada no meio da pista, dividindo-a em duas partes mais ou menos iguais, uma para cada lado.
É natural que, tratando-se de duas construções de diferente tipo, uma em cimento e a outra em terra batida, a sua utilização intensa (que não seria no entanto o caso) e principalmente os efeitos da natureza podiam levar à degradação das duas junções e criar um degrau fatal para qualquer avião que ali tentasse aterrar.
Assim, durante a época das chuvas, as águas que corriam ao lado da placa de helicópteros arrastavam as terras adjacentes deixando a placa saliente e impedindo a utilização da pista, dado que qualquer das tiras remanescentes (uma para cada lado, recorda-se) eram insuficientes para o DO operar.
Portanto, todos os anos, depois de as chuvas terminarem, havia que proceder à recuperação da pista nas zonas adjacentes à placa, de modo a permitir a passagem dos aviões por cima desta sem sobressaltos.
A minha missão não teve problemas de maior, dado que as terras tinham sido repostas e a pista podia ser utilizada em segurança. Mas sempre me interrogava sobre o motivo por que tinha sido tomada esta opção (falta de espaço para a placa noutro local?) que tornava sazonal o uso daquela pista.
É que, sabendo-se das dificuldades sentidas pelos nossos militares nas zonas mais isoladas, a pista de aterragem era sempre uma mais-valia que podia reduzir um pouco esse isolamento e limitar as carências daí resultantes.
Nota (1): Tratando-se de uma construção em cimento, muitas vezes saliente do chão cerca de um palmo, podia ser um obstáculo intransponível se se perdesse o controlo do avião e ele embicasse na direcção da placa (normalmente por causa dos ventos, pontualmente também me chegaram a aparecer à frente vacas e cães, durante a aterragem...).
Pelo menos lembro-me de um DO-27 imobilizado sobre os dois cotos que tinham sido o trem de aterragem, no meio de uma placa de helicópteros, devido à perda de controlo do avião durante a descolagem. Já não cheguei a ver lá o avião, mas as marcas deixadas pelos cotos no cimento ainda eram bem visíveis...
Um abraço,
Miguel Pessoa
Ten Pilav da BA 12
___________
Como poderão constatar através da foto que anexo
o nosso heliporto encontrava-se a meio da pista de aviação. Recordo termos recebido o relatório dimanado não sei por que entidade, mas lembro-me como se fosse hoje o Coronel Carlos Gomes ter-me referido que seria praticamente impossível pôr a nossa pista apta a receber DO's que nos trouxessem os célebres e tão desejados aerogramas bem como os frescos constituídos por algumas hortaliças e ovos, já que nos exigiam que a pista fosse reconstruída sobre uma caixa de gravilha com x centimetros de altura, o que se nos afigurava uma exigência de engenharia quase impossível de satisfazer atendendo aos meios auxiliares de que dispúnhamos associado ao esforço de construção do aldeamento que nos absorvia todos os pedreiros existentes na Companhia. Perante a minha tristeza pela inoperacionalidade da nossa pista recordo o nosso Comandante ter-me reconfortado desta maneira: "deixe lá, Barata, assim não vêm cá os Coroneis só para nos chatear".
Segue o texto do Coronel Miguel Pessoa:
"Lembro-me que nas Operações do Grupo Operacional 1201, na BA12, havia um arquivador muito prático onde estavam registados dados de todas as pistas existentes no território e que, para além das características específicas de cada uma (comprimento, largura, orientação, condições de utilização, limitações, etc.), incluía fotografias de cada pista, algumas delas tiradas à vertical das mesmas.
Estes dados eram de grande importância para o aviador, principalmente no início da comissão, quando ainda não tinha grande conhecimento do terreno.
O número elevado de pistas existentes (cerca de sessenta), a falta de visibilidade horizontal durante uma época do ano e o facto de as pistas por vezes se sucederem num espaço de terreno relativamente curto podiam induzir em erro os menos experientes.
Ninguém gosta de aterrar num determinado sítio e descobrir que o que queria é mais ao lado, principalmente quando a pista está afastada do aquartelamento e afinal não há qualquer segurança montada no local...
Por isso era habitual passarmos pelas Operações para visualizar os sítios onde íamos pela primeira vez. Daí ser natural já termos por vezes um conhecimento virtual de determinada pista mesmo antes de lá ter ido - uma espécie de Flight Simulator da época...
Uma vez recebi uma incumbência curiosa; tratava-se de ir abrir ao tráfego aéreo uma pista (Dulombi, se não me falha a memória), isto é, comprovar que aquela pista estava em condições de poder ser utilizada pelos nossos DO-27.
Fiquei curioso com esta missão, mas uma visualização das fotos da pista rapidamente me elucidou.
Na tal fotografia feita à vertical da pista pude verificar que, ao contrário do que sucedia nos outros aeródromos, em que a placa de helicópteros surgia normalmente ao lado da pista, a uma distância de segurança (1), aqui essa placa surgia cravada no meio da pista, dividindo-a em duas partes mais ou menos iguais, uma para cada lado.
É natural que, tratando-se de duas construções de diferente tipo, uma em cimento e a outra em terra batida, a sua utilização intensa (que não seria no entanto o caso) e principalmente os efeitos da natureza podiam levar à degradação das duas junções e criar um degrau fatal para qualquer avião que ali tentasse aterrar.
Assim, durante a época das chuvas, as águas que corriam ao lado da placa de helicópteros arrastavam as terras adjacentes deixando a placa saliente e impedindo a utilização da pista, dado que qualquer das tiras remanescentes (uma para cada lado, recorda-se) eram insuficientes para o DO operar.
Portanto, todos os anos, depois de as chuvas terminarem, havia que proceder à recuperação da pista nas zonas adjacentes à placa, de modo a permitir a passagem dos aviões por cima desta sem sobressaltos.
A minha missão não teve problemas de maior, dado que as terras tinham sido repostas e a pista podia ser utilizada em segurança. Mas sempre me interrogava sobre o motivo por que tinha sido tomada esta opção (falta de espaço para a placa noutro local?) que tornava sazonal o uso daquela pista.
É que, sabendo-se das dificuldades sentidas pelos nossos militares nas zonas mais isoladas, a pista de aterragem era sempre uma mais-valia que podia reduzir um pouco esse isolamento e limitar as carências daí resultantes.
Nota (1): Tratando-se de uma construção em cimento, muitas vezes saliente do chão cerca de um palmo, podia ser um obstáculo intransponível se se perdesse o controlo do avião e ele embicasse na direcção da placa (normalmente por causa dos ventos, pontualmente também me chegaram a aparecer à frente vacas e cães, durante a aterragem...).
Pelo menos lembro-me de um DO-27 imobilizado sobre os dois cotos que tinham sido o trem de aterragem, no meio de uma placa de helicópteros, devido à perda de controlo do avião durante a descolagem. Já não cheguei a ver lá o avião, mas as marcas deixadas pelos cotos no cimento ainda eram bem visíveis...
Um abraço,
Miguel Pessoa
Ten Pilav da BA 12
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domingo, 13 de junho de 2010
P175: FALECIMENTO
terça-feira, 1 de junho de 2010
P174: OS NOSSOS JUNHOS
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