segunda-feira, 21 de junho de 2010

P176: PISTA DE DULOMBI

Com a devida autorização do seu autor, Coronel Miguel Pessoa, passo a transcrever Post (http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2010/06/guine-6374-p6620-fap-49-pista-da-epoca.html) colocado pelo mesmo no Blog do Luís Graça. A colocação deste Post no nosso Blog faz todo o sentido já que o episódio relatado tem como fundo o nosso Dulombi e passou-se, precisamente, durante a nossa estadia por terras de Cossé.
Como poderão constatar através da foto que anexo
o nosso heliporto encontrava-se a meio da pista de aviação. Recordo termos recebido o relatório dimanado não sei por que entidade, mas lembro-me como se fosse hoje o Coronel Carlos Gomes ter-me referido que seria praticamente impossível pôr a nossa pista apta a receber DO's que nos trouxessem os célebres e tão desejados aerogramas bem como os frescos constituídos por algumas hortaliças e ovos, já que nos exigiam que a pista fosse reconstruída sobre uma caixa de gravilha com x centimetros de altura, o que se nos afigurava uma exigência de engenharia quase impossível de satisfazer atendendo aos meios auxiliares de que dispúnhamos associado ao esforço de construção do aldeamento que nos absorvia todos os pedreiros existentes na Companhia. Perante a minha tristeza pela inoperacionalidade da nossa pista recordo o nosso Comandante ter-me reconfortado desta maneira: "deixe lá, Barata, assim não vêm cá os Coroneis só para nos chatear".
Segue o texto do Coronel Miguel Pessoa:

"Lembro-me que nas Operações do Grupo Operacional 1201, na BA12, havia um arquivador muito prático onde estavam registados dados de todas as pistas existentes no território e que, para além das características específicas de cada uma (comprimento, largura, orientação, condições de utilização, limitações, etc.), incluía fotografias de cada pista, algumas delas tiradas à vertical das mesmas.

Estes dados eram de grande importância para o aviador, principalmente no início da comissão, quando ainda não tinha grande conhecimento do terreno.
O número elevado de pistas existentes (cerca de sessenta), a falta de visibilidade horizontal durante uma época do ano e o facto de as pistas por vezes se sucederem num espaço de terreno relativamente curto podiam induzir em erro os menos experientes.
Ninguém gosta de aterrar num determinado sítio e descobrir que o que queria é mais ao lado, principalmente quando a pista está afastada do aquartelamento e afinal não há qualquer segurança montada no local...

Por isso era habitual passarmos pelas Operações para visualizar os sítios onde íamos pela primeira vez. Daí ser natural já termos por vezes um conhecimento virtual de determinada pista mesmo antes de lá ter ido - uma espécie de Flight Simulator da época...

Uma vez recebi uma incumbência curiosa; tratava-se de ir abrir ao tráfego aéreo uma pista (Dulombi, se não me falha a memória), isto é, comprovar que aquela pista estava em condições de poder ser utilizada pelos nossos DO-27.
Fiquei curioso com esta missão, mas uma visualização das fotos da pista rapidamente me elucidou.
Na tal fotografia feita à vertical da pista pude verificar que, ao contrário do que sucedia nos outros aeródromos, em que a placa de helicópteros surgia normalmente ao lado da pista, a uma distância de segurança (1), aqui essa placa surgia cravada no meio da pista, dividindo-a em duas partes mais ou menos iguais, uma para cada lado.

É natural que, tratando-se de duas construções de diferente tipo, uma em cimento e a outra em terra batida, a sua utilização intensa (que não seria no entanto o caso) e principalmente os efeitos da natureza podiam levar à degradação das duas junções e criar um degrau fatal para qualquer avião que ali tentasse aterrar.
Assim, durante a época das chuvas, as águas que corriam ao lado da placa de helicópteros arrastavam as terras adjacentes deixando a placa saliente e impedindo a utilização da pista, dado que qualquer das tiras remanescentes (uma para cada lado, recorda-se) eram insuficientes para o DO operar.

Portanto, todos os anos, depois de as chuvas terminarem, havia que proceder à recuperação da pista nas zonas adjacentes à placa, de modo a permitir a passagem dos aviões por cima desta sem sobressaltos.

A minha missão não teve problemas de maior, dado que as terras tinham sido repostas e a pista podia ser utilizada em segurança. Mas sempre me interrogava sobre o motivo por que tinha sido tomada esta opção (falta de espaço para a placa noutro local?) que tornava sazonal o uso daquela pista.
É que, sabendo-se das dificuldades sentidas pelos nossos militares nas zonas mais isoladas, a pista de aterragem era sempre uma mais-valia que podia reduzir um pouco esse isolamento e limitar as carências daí resultantes.

Nota (1): Tratando-se de uma construção em cimento, muitas vezes saliente do chão cerca de um palmo, podia ser um obstáculo intransponível se se perdesse o controlo do avião e ele embicasse na direcção da placa (normalmente por causa dos ventos, pontualmente também me chegaram a aparecer à frente vacas e cães, durante a aterragem...).
Pelo menos lembro-me de um DO-27 imobilizado sobre os dois cotos que tinham sido o trem de aterragem, no meio de uma placa de helicópteros, devido à perda de controlo do avião durante a descolagem. Já não cheguei a ver lá o avião, mas as marcas deixadas pelos cotos no cimento ainda eram bem visíveis...


Um abraço,
Miguel Pessoa

Ten Pilav da BA 12
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