Com a devida vénia passo a transcrever entrevista dada pelos nossos camaradas António Barros e Fernando Ramos e pelo filho deste, Gil Ramos, à Agência Lusa:
Guiné-Bissau: Missão solidária vai servir para fazer sonhar crianças e ex-combatente procurar a "paz absoluta"
Nesta viagem segue também o ex-combatente das tropas portuguesas António Barros, que leva na mala o "egoísmo" de quem quer alcançar a "paz absoluta" e deseja estar a 11 de março no mesmo sítio de onde há 40 anos saiu da guerra.
"Quando saí do arame farpado jurei a mim próprio que nunca mais lá voltava", confessa o agora arquiteto, que mudou de ideias com a primeira missão Dulombi e com as fotos que viu.
A campanha solidária decorreu em outubro de 2010 quando Gil foi com o seu primo Ricardo onde o seu pai combateu na guerra colonial. De carro, cumpriram o objetivo de conhecer e entregar, por exemplo, material escolar.
Foi através dos dois viajantes, que António Barros acabou 'assombrado' pelos "fantasmas" dos que "morreram" e daqueles que "se sabe que se tinha de matar".
Depois de décadas sem se lembrar da Guiné, António Barros viu as imagens de um monumento aos mortos que parecia ter a "bandeira portuguesa aos ombros".
Na legenda leu que o monumento "representava o sangue, suor e lágrimas" e até ao "choro convulso" foi um momento e até à certeza de que queria "fazer as pazes" com aquela terra africana foi outro.
"Dentro do arame farpado eu tinha 200 pessoas daquela tabanca. Eu tinha a certeza que tinha inimigos ali dentro", confessa António Ramos, que acrescenta que com o aprofundar da sua "consciência de culpa" percebeu que tinha deixado algo por fazer.
"Eu não devia ter ido combater, também não devia ter fugido. Devia ter dito 'eu não combato, mas estou aqui'". E na Guiné, o antigo militar quer pedir perdão, olhar sem desconfiança e sentir o cheiro a "podre da floresta virgem, que é cheiro também de vida".
Como arquiteto sabe que poderá ajudar e não o descarta, mas assume o seu "egoísmo": "Estou muito empenhado em mim e ficar em paz absoluta".
Por seu lado, Gil Ramos 'viveu' a guerra através de António Barros e do seu pai, Fernando, que também segue viagem este ano.
"É mais um percurso na minha vida", diz Fernando Ramos, que admite ansiedade, mas não ao ponto de afirmar que já está na Guiné.
Através de fotos continua com uma "vaga ideia" e garante que o choque pode vir se vir aquilo que adivinha: a fome estar pior do que há 40 anos.
"De resto tenho a noção correta, do viver das pessoas, convívio, afeto", relata.
O ex-militar nega maus tratos enquanto foi combatente, mas não nega "situações complicadíssimas".
"Hoje olhando para trás, vejo que devia estar doido. Os meus amigos também deviam estar doidos. Por que é que eu fiz aquilo? Eu não devia ter feito aquilo. Do nosso lado não existiam os maus tratos, era a nossa juventude a fazer coisas que nos traziam riscos da própria vida", nota.
Na mala, o organizador Gil Ramos leva também memórias suas da primeira vez que foi à Guiné num carro de cidade do seu primo Ricardo.
Esta segunda missão foi preparada durante um ano, inclui três viaturas preparadas para o terreno africano e um contentor com capacidade para 15 toneladas com roupas, material escolar e brinquedos que segue por barco.
Depois de ver um centro de saúde, onde quase só havia paredes, Gil também vai levar material hospitalar.
Mas o que Gil Ramos destaca são os globos terrestres e os mapas mundo que conseguiu arranjar.
"O globo terrestre e o mapa mundo era o que mais queríamos levar para tentar explicar, ainda não sei bem como, que o mundo existe além da aldeia deles", explicou à Lusa.
Estas viagens começaram porque Gil e Ricardo queriam ir até à África do Sul de carro, uma aventura que ficou só adiada.
Dentro de "um ou dois anos" querem juntar ainda mais amigos e organizar uma expedição turística solidária, com passagem obrigatória pela Guiné.
PL.
Lusa/fim
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