Não resisti a transcrever o texto sentido que o Gil publicou no Facebook da Missão Dulombi:
5 anos depois vamos fazer um pequeno balanço.
Nota
prévia: é impossível descrever todos os factos. Este resumo não faz juz
ao esforço de todos os voluntários, empresas que se associaram e a todos
os resistentes (desde o primeiro dia).
1970 - O meu pai foi para
uma guerra para a qual não foi convidado. De todas as frentes que
Portugal estava envolvido, falava-se da Guiné-Bissau como terrível. Ao
meu pai foram-lhe ditas algumas coisas que só as pode ver quando chegou a
Bissau.
Fernando Ramos e uns pares da Companhia 2700 estavam
destacados para o início da construção de um quartel. Em Dulombi não
havia quartel e a companhia anterior dormia em condições miseráveis.
Durante a sua comissão, o meu pai pouco saiu de Dulombi. Os seus
companheiros de guerra viram a morte de perto e cerca de uma dezena,
perdeu mesmo a vida, seja em emboscadas, rebentamento de minas e de
doença. Morreram também guineenses que lutavam sob a bandeira
portuguesa.
Não se pode resumir uma guerra a 50 palavras, mas na
verdade não foi uma guerra minha. Foi do meu pai. Durante toda a minha
vida, ouvi mil e uma histórias do seu percurso de 2 anos. Foi e
regressou vivo. Fez amigos para a vida, gostou do povo, adorou as
crianças e sempre sentiu vontade de voltar. Nunca o fez.
2010 -
após a morte da minha mãe, decidi com o Ricardo Ramos Moles, visitar a
Guiné-Bissau. Demoramos umas semanas a preparar um carro velho, juntamos
todos os trocos que tínhamos no bolso e fomos.
Bissau, onde
iríamos fazer a nossa estadia tinha uma única pessoa que eu conhecia
(Pedro Djassi). Conheci o Pedro no Porto. Ele trabalhava na loja de
discos de amigos em comum e eu na loja da Lomo (fotografia).
Mil
histórias ficam por contar, mas na verdade se hoje nos chamamos Missão
Dulombi é porque chegar a Dulombi, seria uma verdadeira Missão.
Experiência de África zero, um carro todo partido, histórias de raptos,
terrorismo, estradas miseráveis e pior de tudo, viajamos em Outubro, o
último mês da chuva na África Ocidental. Tudo perfeito.
Chegamos a
Dulombi com a ajuda de um 4X4, estivemos 5 horas em Dulombi. Os carros
eram raros e a presença de portugueses uma miragem. Vénia seja feita a
um conjunto de ex-militares da companhia do meu pai, que uns 10 anos
antes tinham feito o seu regresse à Guiné-Bissau.
O acolhimento
foi inesquecível, os mais velhos falavam um pouco de português.
Encontramos pessoas que se lembravam do meu pai e assim que distribuímos
umas pequenas lembrança de Portugal, partimos para Bissau, a fim de
iniciar a viagem de regresso.
Conhecemos Galomaro, onde se
encontra um hospital. Um Hospital com falta de meios, falta de pessoal,
falta de tudo. Ir a um hospital nestas condições é para adiar a morte.
Duro de se ver, impossível de explicar.
Um mês depois de
partirmos estávamos de regresso a Portugal. Sem dinheiro, com um carro
destruído. Sem perspectivas profissionais muito risonhas. Todos os
amigos, familiares e conhecidos queriam saber da aventura. Já havia
Facebook, mas esse rolo compressor não tem humanismo, não tem emoção e
também não tem o cheiro. Aquele cheiro da terra que trouxemos connosco.
Semanas depois, o cheiro da terra estava entranhado nas roupas, em casa e
no pobre carro que acabamos por vender.
2012 - Passaram 18
meses. A promessa de voltar estava a cumprir-se. Durante o estes meses,
reunimos todos os esforços para levar ajuda a um país que tão bem nos
tinha acolhido. Reunimos um grupo de 19 pessoas. Grande parte eram
amigos, amigos de amigos. Nesta segunda aventura, seguia Fernando Ramos.
Estava a regressar à Guiné-Bissau, 40 anos depois.
Seguia também
António Barros, outro ex-combatente em Dulombi.
Afincadamente,
este grupo começou obras de recuperação do Hospital. Demos ajuda aos
pacientes, da melhor forma que podíamos e sabíamos. Salvamos o Baciro,
um menino de 3 anos com grande parte do corpo queimado. Teria morrido
não fosse a presença deste grande grupo de voluntários. Não sei bem ao
certo, mas penso que reunimos 400 ou 500 Euros entre todos, para comprar
todos os medicamentos, pensos e cremes de que necessitava. O Baciro
está bem. É um dos nossos amuletos. Sempre que pensamos em dificuldades,
pensamos na resistência deste menino.
Seguiu um contentor com 11
toneladas de bens. Equipamos o hospital de forma a torná-lo mais digno.
Dulombi e a sua escola com 70 alunos, recebeu material escolar para um
ano lectivo. As dificuldades de enviar, descarregar, desalfandegar e
distribuir as coisas foram imensas. Um golpe de estado na Guiné-Bissau,
parecia querer acabar com o nosso sonho de levar ajuda. Mas não. Ainda
em 2012, viajamos para Dulombi com o objectivo de recuperar um pequeno
posto de saúde, equipando-o com uma marquesa, mesa, cadeiras e um
armário cheio de materiais de primeiros socorros.
Em 2013, e
depois de trabalhos de limpeza, recuperação de redes mosquiteiras e a
renovação de stocks de medicamentos do Hospital de Galomaro, recuperamos
a velha escola de Galomaro. Construída em 1948, estava ao abandono. O
grupo de 18 voluntários, transformou velho em novo. Em 2 dias, a velha
escola já recebia alunos. A velha vedação do Hospital foi substituída
(está de novo a precisar de reparação) e o primeiro contentor do lixo
viu a luz do dia. Ainda hoje o hospital usa e abusa do “OSCAR” -
gentilmente cedido por uma autarquia vizinha de Vila do Conde. Pela
primeira vez, os 700 (setecentos!) aluno de Galomaro, receberam material
escolar.
Nessa altura, os nossos acampamentos tinham condições
muito pobres. Cozinhar, banhos e WC era tarefa muito complicada para um
grupo tão grande. Fazíamos de Galomaro a nossa base. A Dulombi íamos
realizar trabalhos e regressamos sempre a Galomaro. Sempre achamos que
Dulombi não tinha condições para uma estadia prolongada. Decidimos ficar
em Dulombi para experimentar dificuldades. Sentimos e de que maneira.
Dissemos aos voluntários para levarem 2 garrafas de água cada 1. Pelo
jantar já não havia. Noite difícil.
Noite magnífica. O silêncio
da escuridão,o acampamento no centro da aldeia, a festa. Acordamos
cheios de sede, mas com a certeza de que estávamos enganados. Galomaro
tem muita gente, mais coisas para fazer, mas Dulombi trazia uma
tranquilidade que nos estava a faltar. O grupo de voluntários, fez o
primeiro inquérito local. Ficamos a saber o número de habitantes, as
suas profissões e um pouco da história das suas vidas.
Em
conversa, com os chefes da aldeia, ficamos a saber que a nossa presença
poderia trazer mais ajuda. O insucesso escolar era evidente, pediram
ajuda para a construção de um jardim de infância. Dissemos sim. Fomos
ver um terreno, à entrada de Dulombi. Vimos mato e vimos o futuro. Ficou
acordado, que na expedição seguinte iríamos dar início à construção
desta escola. Sem saber bem como. Voltamos a Portugal e começamos a
preparar ferramentas: uma betoneira, pás, baldes, gamelas, picaretas,
catanas. Muita ferramenta.
terça-feira, 22 de dezembro de 2015
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