terça-feira, 22 de dezembro de 2015

P596: TRIBUTO AO GIL RAMOS

Não resisti a transcrever o texto sentido que o Gil publicou no Facebook da Missão Dulombi:

5 anos depois vamos fazer um pequeno balanço.
Nota prévia: é impossível descrever todos os factos. Este resumo não faz juz ao esforço de todos os voluntários, empresas que se associaram e a todos os resistentes (desde o primeiro dia).
1970 - O meu pai foi para uma guerra para a qual não foi convidado. De todas as frentes que Portugal estava envolvido, falava-se da Guiné-Bissau como terrível. Ao meu pai foram-lhe ditas algumas coisas que só as pode ver quando chegou a Bissau.
Fernando Ramos e uns pares da Companhia 2700 estavam destacados para o início da construção de um quartel. Em Dulombi não havia quartel e a companhia anterior dormia em condições miseráveis. Durante a sua comissão, o meu pai pouco saiu de Dulombi. Os seus companheiros de guerra viram a morte de perto e cerca de uma dezena, perdeu mesmo a vida, seja em emboscadas, rebentamento de minas e de doença. Morreram também guineenses que lutavam sob a bandeira portuguesa.
Não se pode resumir uma guerra a 50 palavras, mas na verdade não foi uma guerra minha. Foi do meu pai. Durante toda a minha vida, ouvi mil e uma histórias do seu percurso de 2 anos. Foi e regressou vivo. Fez amigos para a vida, gostou do povo, adorou as crianças e sempre sentiu vontade de voltar. Nunca o fez.
2010 - após a morte da minha mãe, decidi com o Ricardo Ramos Moles, visitar a Guiné-Bissau. Demoramos umas semanas a preparar um carro velho, juntamos todos os trocos que tínhamos no bolso e fomos.
Bissau, onde iríamos fazer a nossa estadia tinha uma única pessoa que eu conhecia (Pedro Djassi). Conheci o Pedro no Porto. Ele trabalhava na loja de discos de amigos em comum e eu na loja da Lomo (fotografia).
Mil histórias ficam por contar, mas na verdade se hoje nos chamamos Missão Dulombi é porque chegar a Dulombi, seria uma verdadeira Missão. Experiência de África zero, um carro todo partido, histórias de raptos, terrorismo, estradas miseráveis e pior de tudo, viajamos em Outubro, o último mês da chuva na África Ocidental. Tudo perfeito.
Chegamos a Dulombi com a ajuda de um 4X4, estivemos 5 horas em Dulombi. Os carros eram raros e a presença de portugueses uma miragem. Vénia seja feita a um conjunto de ex-militares da companhia do meu pai, que uns 10 anos antes tinham feito o seu regresse à Guiné-Bissau.
O acolhimento foi inesquecível, os mais velhos falavam um pouco de português. Encontramos pessoas que se lembravam do meu pai e assim que distribuímos umas pequenas lembrança de Portugal, partimos para Bissau, a fim de iniciar a viagem de regresso.
Conhecemos Galomaro, onde se encontra um hospital. Um Hospital com falta de meios, falta de pessoal, falta de tudo. Ir a um hospital nestas condições é para adiar a morte. Duro de se ver, impossível de explicar.
Um mês depois de partirmos estávamos de regresso a Portugal. Sem dinheiro, com um carro destruído. Sem perspectivas profissionais muito risonhas. Todos os amigos, familiares e conhecidos queriam saber da aventura. Já havia Facebook, mas esse rolo compressor não tem humanismo, não tem emoção e também não tem o cheiro. Aquele cheiro da terra que trouxemos connosco. Semanas depois, o cheiro da terra estava entranhado nas roupas, em casa e no pobre carro que acabamos por vender.
2012 - Passaram 18 meses. A promessa de voltar estava a cumprir-se. Durante o estes meses, reunimos todos os esforços para levar ajuda a um país que tão bem nos tinha acolhido. Reunimos um grupo de 19 pessoas. Grande parte eram amigos, amigos de amigos. Nesta segunda aventura, seguia Fernando Ramos. Estava a regressar à Guiné-Bissau, 40 anos depois.
Seguia também António Barros, outro ex-combatente em Dulombi.
Afincadamente, este grupo começou obras de recuperação do Hospital. Demos ajuda aos pacientes, da melhor forma que podíamos e sabíamos. Salvamos o Baciro, um menino de 3 anos com grande parte do corpo queimado. Teria morrido não fosse a presença deste grande grupo de voluntários. Não sei bem ao certo, mas penso que reunimos 400 ou 500 Euros entre todos, para comprar todos os medicamentos, pensos e cremes de que necessitava. O Baciro está bem. É um dos nossos amuletos. Sempre que pensamos em dificuldades, pensamos na resistência deste menino.
Seguiu um contentor com 11 toneladas de bens. Equipamos o hospital de forma a torná-lo mais digno. Dulombi e a sua escola com 70 alunos, recebeu material escolar para um ano lectivo. As dificuldades de enviar, descarregar, desalfandegar e distribuir as coisas foram imensas. Um golpe de estado na Guiné-Bissau, parecia querer acabar com o nosso sonho de levar ajuda. Mas não. Ainda em 2012, viajamos para Dulombi com o objectivo de recuperar um pequeno posto de saúde, equipando-o com uma marquesa, mesa, cadeiras e um armário cheio de materiais de primeiros socorros.
Em 2013, e depois de trabalhos de limpeza, recuperação de redes mosquiteiras e a renovação de stocks de medicamentos do Hospital de Galomaro, recuperamos a velha escola de Galomaro. Construída em 1948, estava ao abandono. O grupo de 18 voluntários, transformou velho em novo. Em 2 dias, a velha escola já recebia alunos. A velha vedação do Hospital foi substituída (está de novo a precisar de reparação) e o primeiro contentor do lixo viu a luz do dia. Ainda hoje o hospital usa e abusa do “OSCAR” - gentilmente cedido por uma autarquia vizinha de Vila do Conde. Pela primeira vez, os 700 (setecentos!) aluno de Galomaro, receberam material escolar.
Nessa altura, os nossos acampamentos tinham condições muito pobres. Cozinhar, banhos e WC era tarefa muito complicada para um grupo tão grande. Fazíamos de Galomaro a nossa base. A Dulombi íamos realizar trabalhos e regressamos sempre a Galomaro. Sempre achamos que Dulombi não tinha condições para uma estadia prolongada. Decidimos ficar em Dulombi para experimentar dificuldades. Sentimos e de que maneira. Dissemos aos voluntários para levarem 2 garrafas de água cada 1. Pelo jantar já não havia. Noite difícil.
Noite magnífica. O silêncio da escuridão,o acampamento no centro da aldeia, a festa. Acordamos cheios de sede, mas com a certeza de que estávamos enganados. Galomaro tem muita gente, mais coisas para fazer, mas Dulombi trazia uma tranquilidade que nos estava a faltar. O grupo de voluntários, fez o primeiro inquérito local. Ficamos a saber o número de habitantes, as suas profissões e um pouco da história das suas vidas.
Em conversa, com os chefes da aldeia, ficamos a saber que a nossa presença poderia trazer mais ajuda. O insucesso escolar era evidente, pediram ajuda para a construção de um jardim de infância. Dissemos sim. Fomos ver um terreno, à entrada de Dulombi. Vimos mato e vimos o futuro. Ficou acordado, que na expedição seguinte iríamos dar início à construção desta escola. Sem saber bem como. Voltamos a Portugal e começamos a preparar ferramentas: uma betoneira, pás, baldes, gamelas, picaretas, catanas. Muita ferramenta.

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