sábado, 7 de fevereiro de 2009

P103: RAPANÇO EM GALOMARO - POR PINTO D'ALMEIDA



Por volta de Junho/Julho 1971, o orgulhoso e militarista Capitão Santos, Comandante da CCS, ao passar revista de formatura, vira-se para o Furriel Moniz e dispara: "Já que você não corta o cabelo, mande cortar aos seus homens" e prosseguiu até mandar destroçar.
Foi uma situação que provocou uma expressão de gozo a alguns elementos da CCS presentes na formatura que, sempre nos dispensaram um tratamento discriminatório, ancorados no facto de supostamente sermos gente do mato.
Mesmo antes de chegar à caserna já a ideia nos bailava na cabeça e para a concretizar foi só ligar a corrente. Vamos rapá-lo todos e assim foi, o meu foi rapado à lâmina.
A expressão do Capitão Santos quando, no dia seguinte, chegou à formatura não consigo descrevê-la mas julgo ter visto no seu olhar encolerizado todas as cores do arco-íris.
Embora tenha dúvidas quanto à ordem porque estes factos se sucederam não duvido nem um bocadinho da sua relação com o acontecimento que passo a descrever. O Capitão tinha encarregado o Furriel de dar instrução a elementos da população candidatos a milícias. Ele indicou como seus ajudantes os dois cabos da secção, eu e o Manuel da Silva Azevedo e ali ficámos à espera dos candidatos que nunca apareceram.
O que terá provocado a ira do Capitão é que ele queria que nós fossemos às tabancas fazer o recrutamento o que nunca aconteceu. Tal foi motivo para instaurar um processo disciplinar ao Furriel que julgo ter tido algumas consequências de pequena monta. Esta decisão da carecada foi uma das mais gratificantes, para mim, pela mensagem surda que significou e pela solidariedade demonstrada entre todos os camaradas.

Disparar por disparar
Qualquer militar dispara
Mas estar lá e alinhar
Ser gozado e aguentar
Só quem tem barba na cara.

A Guiné era tão negra
Tão seca, tão doentia
Que a água que se bebia
Em vez de matar a sede
A hepatite trazia

Cumprimentar os mosquitos
Começava manhã cedo
Lambiam-me testa e braços
E em esmagantes abraços
Neles vingava meu medo.

António Fernando Pinto d'Almeida
Vila Nova de Gaia - 3/2/2009

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