quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

P102: CARLOS CORREIA

Com a devida vénia a "O Mirante", semanário regional que se publica na Chamusca. Entrevista publicada na edição de 22 de Abril 2004 (http://semanal.omirante.pt/index.asp?idEdicao=124&id=9420&idSeccao=1414&Action=noticia).

Histórias de guerra e paz
Tinha 22 anos quando embarcou num barco a vapor para ir defender a ex-colónia portuguesa da Guiné. Corria o ano de 1970. Mal chegou, o então alferes Carlos Tavares Correia foi confrontado com a morte. Ainda nem tinha saído para o mato. A companhia (nota do blog (NB): era um pelotão, não uma companhia)que comandava teve que ir fazer a evacuação de uma patrulha atingida por uma mina. No regresso ao aquartelamento transportou quatro mortos.
Foi o primeiro contacto com a dura guerra colonial, de que tinha ouvido falar no treino das forças de operações especiais em Lamego. Na viagem de sete dias no barco, antes usado para transportar gado dos Açores para o continente, sentia que não queria ir. Mas o dever de defender a pátria acabou por falar mais alto. O calor e a humidade da Guiné foram as primeiras dificuldades que encontrou. Depois habituou-se ao clima. Aos tiros. A dormir em abrigos, cavados debaixo do chão.
A companhia (NB - o pelotão) que comandava, com 30 homens, era conhecida pela companhia 27 escudos, porque tinha o número 2700. Durante os mais de 24 meses que esteve no teatro de guerra nunca viu o inimigo. Após os ataques o único sinal dos “turras” - como eram designados os guerrilheiros dos movimentos de libertação -, era o sangue espalhado no chão.
As primeiras saídas para o mato foram as mais complicadas. “Íamos à procura do desconhecido. Havia um ambiente temeroso. Depois, ao fim de um tempo, habituámo-nos”, contou. Tal como se acostumaram ao som das balas que durante a noite voavam por cima dos abrigos. Uma forma de desgastar as tropas portuguesas.
Hoje com 56 anos e com a patente de tenente-coronel, Carlos Correia é dos poucos combatentes que ainda se mantém no activo. Está no Campo Militar de Santa Margarida (CMSM), Constância, e reside no Entroncamento. Mais de 30 anos após a guerra, ainda recorda o episódio em que uma mina rebentou a cerca de 100 metros da sua posição. Morreram três soldados de outra companhia (NB: de outro pelotão) e dois ficaram mutilados.
No tempo que esteve na Guiné a maior satisfação foi ter trazido para casa todos os homens que levou. Apesar de terem registado 14 flagelações ao aquartelamento e o rebentamento de 7 minas (NB ???), que só por milagre não apanhou nenhum dos elementos da companhia 27 escudos.
Carlos Correia diz que a Guiné era o Vietname português. As grandes dificuldades prendiam-se com o facto de haver muitas povoações que ajudavam os guerrilheiros. Nas saídas para o mato dos militares portugueses costumavam ir habitantes locais a acompanhar. Quando não ia ninguém já se sabia que se preparava um ataque.
A maior felicidade que guarda do tempo de combate é a de não ter tido baixas na sua unidade (NB: no seu pelotão, já que a Companhia teve 6 mortos). E as amizades que se fizeram e que estão em centenas de fotografias guardadas em duas caixas de sapatos.

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