segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

P291: CARTA ABERTA AO CARNEIRO AZEVEDO


Do fundo desta noite que persiste
A me envolver em breu - eterno e espesso,
A qualquer deus - se algum acaso existe,
Por mi’alma insubjugável agradeço.

Nas garras do destino e seus estragos,
Sob os golpes que o acaso atira e acerta,
Nunca me lamentei - e ainda trago
Minha cabeça - embora em sangue - erecta.

Além deste oceano de lamúria,
Somente o Horror das trevas se divisa;
Porém o tempo, a consumir-se em fúria,
Não me amedronta, nem me martiriza.


Por ser estreita a senda - eu não declino,
Nem por pesada a mão que o mundo espalma;
Eu sou dono e senhor de meu destino;
Eu sou o comandante de minha alma.

Invictus
William Ernest Henley



Amigo Zé


Privei contigo desde os primórdios de 1970, altura em que iniciámos o IAO, em Santa Margarida, mas foi a partir de Maio desse ano até Março de 1972 que tivemos uma partilha de vivências mais fortes pelas razões sobejamente conhecidas.


Neste momento recordo de ti aquela célebre faceta de “intérprete oficial” da Companhia. No teu fula “fluente e escorreito” sempre pronto a ser o “corta-línguas” quando algum indígena queria pedir algo ao nosso Capitão. Era também um prazer ouvir-te a falar “fula” quando te pedíamos que despejasses algum arrazoado só para nos deliciarmos com tamanha sonoridade e desenvoltura


Outro aspecto que nunca esquecerei foi a tua evolução como futebolista. Uns dos passatempos durante aqueles difíceis 23 meses passados por terras de Cossé eram as renhidas futeboladas disputadas em torneios inter-pelotões. Num universo de vinte e poucos elementos (dotação de um pelotão) era muito difícil arranjar 11 elementos que tivessem o mínimo de aptidão para a prática do futebol, daí ter qualquer um dos pelotões de convocar uma minoria menos dotada. Admirei a tua doação à causa, o lema era: pelo 2.º pelotão tudo! Interiormente ria-me ao ver a tua descoordenação de movimentos ao tentares chutar a bola quando chegavas a meter simultaneamente os dois pés para realizar operação tão simples. Com perseverança foste evoluindo e o certo é que a meio da comissão já eras um elemento válido dentro da equipa e na parte final até parecias um Lino Vidigal do Sporting ou um André do Porto, qual carregador de piano, como na gíria desportiva são conhecidos aqueles jogadores de meio campo que estancam as investidas dos adversários e que puxam os nossos avançados para a grande área adversária.


Recordo, também, que eras dos primeiros a pegar na varinha quando incumbia ao 2.º pelotão fazer a picagem para então uma coluna de abastecimento seguir em segurança rumo a Galomaro. Nas operações estavas sempre na primeira linha e nunca tiveste necessidade de invocar “paludismos” para te baldares.


Foi este o José Carneiro Azevedo que eu conheci. É esta a imagem que eu retenho de um homem entroncado, jovial, forte e destemido.


Ultimamente, fui surpreendido por notícias do Lemos que nos alertou para o facto de estares a passar momentos menos agradáveis. As imagens a todos nós incomodaram.


Esta situação tem que ser invertida. Pelo que me foi transmitido tanto pelo Sr. José Oliveira, como pelo Sr. João Pereira, requienses atentos e solidários a tua situação preocupa-os e tudo farão para minorar o teu calvário. De nossa parte, também, tudo faremos para modificar a situação em que caíste e terás todos os companheiros de armas que contigo privaram, em Dulombi, um amigo pronto a ajudar. Contudo, tu terás o actor principal. Conta connosco, mas, fundamentalmente, terás que ser tu a mandar um murro na mesa e gritar:
Eu sou dono e senhor de meu destino;
Eu sou o comandante de minha alma.

A partir daqui tudo será diferente.

Aceita um abraço solidário do teu “alferes”
Fernando Barata







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