No dia 13 de Dezembro de 2011 fui a Requião para me inteirar da situação do nosso camarada Carneiro Azevedo.
Por volta das 11 horas da manhã dirigi-me à sua residência, onde já me aguardava o Carneiro Azevedo.
RPL: Então Carneiro Azevedo, o que pretendes para resolver a situação em que vives?
JCA: Em princípio, queria sair desta casa, porque não tenho condições, é uma casa “desgradada”, sem condições para eu viver. Não tenho água na casa, tenho que a ir buscar a um fontanário que fica a 100 metros da minha casa, e transportá-la aos baldes.
Não tenho quarto de banho, apenas uma sanita, que fica num barraco no exterior da casa. À porta de casa tenho uma bacia onde me lavo.
Por isso, desde Março de 2011, no tempo que estive internado no hospital de Braga, para fazer uma recuperação psicológica, que não tomo banho. Apenas passo água pelo rosto e mãos.
Também não posso lavar a roupa nem os lençóis da minha cama. Eu tenho uma máquina de lavar, mas não a uso. (Nota do autor: como a máquina de lavar podia funcionar se não existe água canalizada em casa?).
RPL: E a tua cozinha funciona?
JCA: Não, a minha cozinha não funciona, nem eu posso fazer nada, pois a minha doença não me deixa. Não me “puxa”. O fogão a gás não funciona, está velho. Também tenho na cozinha um fogão a lenha, mas que está velho e podre. Mas se funcionasse não tinha lenha. Como é que eu podia trazer lenha? Não posso, porque a minha doença não me deixa fazer nada em casa. A banca da cozinha está sempre com as mesmas coisas em cima porque não me “puxa” para arrumar nada. Mas se quisesse lavar loiça era muito complicado porque tinha que pôr um balde por baixo da banca, para aparar a água, pois não há esgotos. O meu frigorífico está desligado, mas, sabe, está quase novo! Mas não o uso porque nem sei, nem posso, nem consigo cozinhar.
RPL: Então, Carneiro Azevedo, para onde queres ir?
JCA: A minha ideia era ir para um Lar, onde tivesse todas as condições. Ou, então, arranjar uma companheira. Sabe, eu estou inscrito numa agência, que se chama “amore nostrum “ sedeada em Braga, e já
tive que pagar cerca de 300 euros mas ainda tenho que pagar mais outro tanto, para arranjar ou tentar arranjar uma companheira. É uma agência oficial, e eu estou à espera de resposta. Já estive na agência mais do que uma vez, e eles lá tiraram-me fotografias. Já estou inscrito já passa de um ano,
e eles já me telefonaram para ter que dar mais dinheiro. Nunca falei com nenhuma pretendente pessoalmente. Sabe, Sr. Lemos, eu também telefono todas as semanas para uma senhora da Régua, uma senhora solteira e com 59 anos. Arranjei este contacto também por uma revista chamada “Ana”. Eu se tivesse possibilidades, ia lá ter com ela. Também estou à espera desta situação à cerca de um ano!
Introdução à próxima pergunta:
O nosso camarada Adão Sá, fez vários contactos no sentido de minorar o sofrimento do nosso camarada.
Contactou o Doutor Duarte, assistente social em Requião, o qual não se mostrou disposto a colaborar, alegando falta de vontade por parte do Carneiro Azevedo.
Reuniu com o Presidente da Junta, o qual mostrou interesse em ajudar em tudo o que lhe fosse possível, inclusive fazer casa de banho, limpeza e apoio domiciliário.
RPL: Então, Carneiro Azevedo, o que dizes sobre as propostas do Presidente da Junta, nomeadamente, limpar a casa, falar com o Senhorio para se fazer um quarto de banho e colocar a água dentro de casa e frequentares um Centro de Dia em Vermoim, onde podias almoçar, fazer higiene pessoal e conviver com os outros utentes. Além disso, o nosso camarada Sá pensava arranjar verbas para aqui colocar umas mobílias, nomeadamente na sala.
JCA: Isso é muito confuso para mim, são coisas muito complicadas, porque o meu problema é psicológico. Eu não podia fazer nada, nada me “puxa”, a minha doença não deixa.
(Nota do autor: O Senhorio, em tempos, propôs colocar a água em casa, arranjar as portas e umas persianas e fazer um quarto de banho. Em troca o Carneiro Azevedo teria que se sujeitar a um aumento da renda mensal em cerca de 40%. Mas as negociações falharam. Também penso que o Carneiro Azevedo, nessa altura, andava em tratamento psicológico e não devia ter condições para resolver seja o que fosse).
RPL: Azevedo, tens amigos em Requião?
JCA: Tinha amigos quando tinha dinheiro.
RPL: Carneiro Azevedo, fala-me da tua família.
JCA: Tenho dois filhos, um a viver na Alemanha, mas não o vejo nem contacto com ele há mais de 2 anos, e até sei que ele veio a Portugal, mas não me veio visitar.
O outro filho, o mais novo, nem sei aonde ele vive. Ele comprou um Jeep de 6 lugares e eu assinei como fiador. O banco continua-me a mandar cartas de débito das prestações, mas não pago, porque não ponho lá o meu dinheiro, pois senão ficava sem nenhum. Há um processo em tribunal, colocado pela minha advogada, que eu arranjei pela segurança social.
Tenho também um irmão e uma irmã, em Cabeçudos, donde eu sou natural, Fui visitá-los à cerca de 1 ano, mas já lá não ia há mais de 7 anos. Mas eles não me contactam.
Não tenho mais família, além de netos, sobrinhos e primos.
RPL: Para concluir, o que queres dizer mais?
JCA: Eu tenho um problema psicológico, e tenho uma depressão crónica, e é o que me obriga, o que me impede, de fazer as coisas, a solidão é o principal, faz criar ansiedade, vou ver as coisas e não faço, e como esta doença é psicológica, não deixa fazer nada, ando ao redor, ando ao redor, e a gente foge das coisas. Queria libertar-me, mas aqui a gente está-se a enterrar no lixo. Não faço nem lavo os lençóis desde o mês de Agosto, porque não tenho vontade. Não lavo a roupa agora, mas tenho a máquina de lavar a funcionar no barraco! Estou nesta situação porque a medicação me influencia…
Por outro lado há quem se interesse há bastante tempo por este caso e que está a lutar pela sobrevivência do Carneiro Azevedo. As coisas não são assim tão lineares, relativamente à proposta do Presidente da Junta e à recusa do Carneiro Azevedo e também sobre o tipo de ajuda que a Junta parece propor dar. As questões são mais complicadas, mais complexas.
Parecer sobre este assunto:
Após mais esta visita ao Carneiro Azevedo e com os dados entretanto recolhidos, e após os contactos feitos com o nosso camarada Adão Sá, é minha opinião que o problema do Carneiro Azevedo é de difícil resolução, conforme estão os dados em cima da mesa.
Por um lado, o que o Carneiro Azevedo precisava imediatamente era uma consulta com um psicólogo e também com um psiquiatra, para tentar perceber o seu estado mental.
A Junta de freguesia e, nomeadamente, o Sr. Assistente Social já fez isso? As recusas do camarada Azevedo, para aceitar as soluções impostas pelas entidades locais não podem ser vistas de ânimo leve, pois não estamos em presença de uma personalidade de comportamento tipo normal!
Por outro lado, as obras em casa propostas pelo Sr. Presidente da Junta são assim tão viáveis e fáceis? Eu penso que não. A casa, como se pode ver pelas imagens acima, está num estado deplorável! As paredes estão cheias de humidade! As janelas e portas parecem mais de um curral! Não há canalizações de água! Não existem esgotos, nem para uma simples banca de cozinha! Tudo é lixo! Tudo o que está na cozinha é para a sucata, está tudo velho e a não funcionar! Não há quarto de banho! Enfim, estas obras iriam ficar caríssimas! Era como reconstruir a casa de novo, se se quisesse que a habitação tivesse o mínimo de condições para ser habitada. Por outro lado, havia a necessidade de negociações com o Senhorio. E para onde iria o Carneiro Azevedo durante as remodelações? Quem pagava tudo isto?
Temos também o grave problema de saúde do Carneiro Azevedo. Ele não consegue fazer nada! Colocar manteiga num pão, já é um problema para ele! Então este homem poderá viver sozinho, num palácio? Claro que não.
Foi-lhe prometido pelas entidades de Requião, um Lar.
Agora, já não há essa possibilidade.
Ele está muito confuso, e por tal motivo, não aceita as propostas da limpeza da casa, nem as obras. Tem medo da situação, conforme se pode tirar por conclusão das suas palavras.
Para este nosso camarada, o 1º passo eram as tais consultas de especialidade, e depois avaliar a sua situação e encaminhamento para a solução proposta pelos médicos.
Também, é minha opinião que este homem não pode viver sozinho, durante as 24 horas por dia. Ele não toma os seus medicamentos a horas (e são 6), outros deixa de tomar, nomeadamente os das tensões, o que é grave. Reparei que este medicamento é da dose mais elevada!
Se nada for feito, vai piorar de dia para dia, e o seu fim vai ser muito amargo com o avançar da idade!
Ricardo Lemos